Lutos e Identidades: Uma Relação Intrínseca

Comitê Identidades e Lutos

O luto, como experiência universal vivida de forma individual e singular tem imbricado nesta vivência aspectos culturais, sociais, raciais e espirituais aprendidos durante o desenvolvimento de cada pessoa, levando em conta o grupo social que faz parte: família, amigos, comunidade, religião, ocupação social e outros.

Levando em conta estes aspectos e as mudanças ocorridas na vida da pessoa como um todo, é possível dizer que identidades de gênero, cultura, religião, orientação sexual e a ocupação social moldam não apenas como o luto é vivido, mas também como ele é expresso e acolhido.

Em contextos onde identidades minoritárias são marginalizadas, o luto pode ser agravado por preconceitos ou pela falta de rituais culturalmente sensíveis e importantes na marcação de espaço e tempo sobre o ocorrido. Por exemplo, uma pessoa LGBTQIA+ que perde seu companheiro pode enfrentar a invalidação de seu luto em ambientes que não reconhecem a legitimidade dessa relação. Da mesma forma, culturas que priorizam o coletivo podem encarar o luto como uma responsabilidade compartilhada, enquanto sociedades individualistas podem ver o processo como algo profundamente pessoal.

Compreender o luto como uma experiência atravessada pelas particularidades da identidade permite que profissionais da saúde mental e outros cuidadores ofereçam suporte respeitoso, inclusivo e culturalmente competente, respeitando os direitos humanos e abrindo espaço para discussão, acolhimento, cuidado e compreensão do luto para além da perda por morte. Assim, abrindo espaço para reflexão sobre as diferentes vivências da formação e rompimento de vínculos em uma sociedade plural como a brasileira.

Ou seja, levar em conta os marcadores sociais e seus atravessamentos nas identidades, formação e rompimentos de vínculos ampliam o olhar, a oferta de cuidado e o reconhecimento do outro enquanto sujeito de direitos, passível de sofrimento e complexidades. Assim como, possibilita ganho em relação às ações terapêuticas, ofertadas por profissionais ou pela rede de apoio não profissional. Exemplificamos: as mídias noticiam diversas situações de violência nos cotidianos das cidades brasileiras, porém há diferenças nas formas de falar sobre as pessoas afetadas a depender do local de moradia. Violências sofridas em localizações periféricas das cidades são tratadas como merecidas, como necessárias e sem cuidado e reconhecimento em relação à população moradora do local. Há nestas situações preconceitos e invalidação dos sofrimentos, diversas são as perdas não reconhecidas que precisam ser levadas em conta, validadas e nomeadas. Enquanto profissional que trabalha com perdas e lutos, é importante que leve em conta todos os marcadores sociais presentes em cena, para que sua ação seja terapêutica, reparadora e possibilite ao outro reconhecer seus lutos, suas redes de apoio e afeto e consequentemente viva seu processo de luto de forma respeitosa, com amparo.

Além disso, o luto, por morte ou não, modifica a identidade da pessoa. As mudanças ocorridas com a perda impactam as crenças pessoais, o mundo interno, conhecido e seguro, o que nos leva a refletir sobre estes impactos em pessoas colocadas às margens pela sociedade. Conforme nossos exemplos, o não reconhecimento das perdas como legítimas pode afetar a vivência do processo de luto e, portanto, o reconhecimento de si e das metamorfoses vividas em sua identidade. Mudam-se papéis sociais, sensação de pertencimento e rede de apoio.

Para ampliar a leitura  e o conhecimento sobre o tema, deixamos abaixo algumas sugestões de referências que embasaram a construção do texto:

BUTLER, Judith. Vidas precárias: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Audiência Editora, 2019.

COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021.

GRIGOLETO NETTO, Jose Valdeci. Homens gays e o luto: sentidos atribuídos ao fim dos relacionamentos. Londrina: Lucto Editora, 2023.

Dossiê Luto: um sentimento político, individual e coletivo. A importância de não silenciar a memória que resta para os vivos – Revista Cult Ano 27, Setembro de 2024,  Edição 309.


Comitê Identidades e Lutos da ABMLuto: Maria Carolina Rissoni Andery, Lucas Barbosa Namur, Jose Valdeci Grigoleto Netto, Ana Clara Bastos e Simone Göttert Rolim.

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