Luto na infância pela perda de um irmão

Por Luciana Mazorra e Valéria Tinoco

O luto pela perda de um irmão na infância é um processo emocionalmente desafiador e complexo, podendo impactar profundamente o desenvolvimento psicológico da criança.

Ao contrário dos adultos, que possuem uma compreensão mais elaborada da morte, as crianças vivenciam essa experiência de acordo com seu nível de maturidade cognitiva e emocional. Assim, a interpretação da perda varia conforme a faixa etária, influenciando a maneira como enfrentam o luto. Em especial até os seis anos, seu pensamento ainda é marcado por fantasia e egocentrismo, levando a crenças irreais, como a possibilidade de reversão da morte e de que seus pensamentos e desejos foram capazes de provocá-la. Somente na adolescência, a assimilação desse conceito se aproxima da visão adulta, permitindo reflexões mais complexas sobre a finitude da vida.

A relação fraterna tende a ser um dos vínculos mais significativos da vida, atuando como uma base de identificação, segurança e afeto. O impacto da perda de um irmão depende de múltiplos fatores, como a proximidade do vínculo, o suporte emocional recebido da família e do ambiente social, além da resiliência emocional da criança. O contexto sociocultural exerce grande influência: diferentes culturas adotam distintas abordagens e rituais para lidar com a morte, facilitando ou dificultando a elaboração do luto.

Crianças enlutadas frequentemente manifestam uma gama diversificada de reações emocionais e comportamentais: tristeza, medo, irritabilidade, comportamentos regressivos e dificuldades no desempenho acadêmico. Podem apresentar também aparente indiferença e sintomas psicossomáticos como insônia, dores no corpo e distúrbios alimentares. O sentimento de culpa é comum, especialmente quando a criança acredita, em função do predomínio do pensamento mágico, egocentrismo e grau de ambivalência da relação, que seus pensamentos ou ações contribuíram para a morte.

Além da dor da perda do irmão, a criança precisa lidar com as mudanças no núcleo familiar. Muitas vezes, os pais, imersos em seu próprio luto, podem ter dificuldades em oferecer suporte emocional adequado, o que pode agravar a sensação de solidão e abandono da criança. Além disso, quando morre uma criança na família, os pais são considerados os enlutados primários e os irmãos podem não receber o suporte de que necessitam. Assim, é essencial que a rede de apoio familiar esteja atenta às necessidades emocionais do filho sobrevivente, garantindo que ele receba atenção e conforto.

O papel dos pais, educadores e profissionais da saúde é crucial nesse processo. A comunicação aberta, adaptada ao nível de compreensão da criança, é essencial para que ela elabore a perda. Expressões eufemísticas como “ele foi dormir para sempre” devem ser evitadas, pois podem gerar confusão e ansiedade. Recomenda-se uma abordagem clara e acolhedora, que valide seus sentimentos e lhe assegure suporte emocional.

Em casos de complicações do processo de luto, caracterizadas por reações excessivas e persistentes que interferem no desenvolvimento saudável da criança ou inibição do luto, a intervenção psicológica pode ser necessária. A psicoterapia, por meio de técnicas como a ludoterapia e o uso de expressões artísticas, auxilia a criança na elaboração da perda, permitindo a expressão simbólica de seus sentimentos e angústias.

O ambiente escolar também desempenha um papel fundamental ao oferecer um espaço seguro e acolhedor. Professores e colegas devem estar preparados para lidar com a criança enlutada, evitando minimizações ou julgamentos que possam intensificar seu sofrimento. A inclusão de atividades que abordem o tema da perda, como narrativas e trabalhos artísticos, pode ajudar na ressignificação da experiência do luto.

Em síntese, o luto da criança pela perda de um irmão é um processo singular e complexo, que exige acolhimento e acompanhamento sensível por parte dos adultos. Ao reconhecer as particularidades desse fenômeno e criar um ambiente de suporte adequado, é possível auxiliar a criança no enfrentamento resiliente da perda, atribuindo sentido ao que vivenciou e integrando esta experiência a sua história de vida.

Para saber mais sobre o tema:

Mazorra, L. e Tinoco, V. O luto pela perda de um irmão, In: Casellato, G. Lutos por perdas não legitimadas na atualidade, Summus Editorial, 2020.


Dra Luciana Mazorra e Dra Valéria Tinoco são cofundadoras e diretoras do 4 Estações Instituto de Psicologia, especializado no atendimento de pessoas enlutadas e formação de profissionais que trabalham com morte, perdas e luto.

Deixe um comentário