Dia do IDOSO. Pra quê?
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- 01/10/2024
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Por Manuela Barral
No dia 1º de outubro em todo o mundo é celebrado o dia do idoso. Essa data, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1990, e no Brasil, pela Lei nº 11.433/2006, sugere que eventos e homenagens sejam realizados a fim de sensibilizar a população a essa fase da vida. Nessa data, também, em 2003 foi aprovada a Lei nº 10.741, que tornou vigente o Estatuto do Idoso.
Quanta coisa, né? Mas, para quê se faz necessário isso tudo – tendo em vista que o que está colocado é o reforçamento dos direitos a pessoas que, em tese, apenas estão em um momento de vida diferente? Para quê colocar luz especificamente em uma população que – teoricamente – já é contemplada pela lei de cidadania?
A partir dessas perguntas, podemos pressupor algumas coisas que dão notícias sobre esse mundo que é o nosso. Aparentemente, o idoso se encontra em uma categoria diferente dos demais cidadãos – tal qual crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, entre outros. Nesse sentido, se faz necessário reforçar que essa camada da população é sim relevante. Principalmente à medida em que ela aumenta consideravelmente a cada ano.
Vocês podem estar se perguntando. Por que ela começou esse texto explicitando tanto a existência dos velhos? – sim, velhos! Isso não seria óbvio?
E, eu te respondo enfaticamente: não. Saber dos velhos não nos implica a pensar sobre os velhos. Muito menos, nos faz pensar que eventualmente – e na melhor das hipóteses – esses velhos seremos/somos nós. Não à toa, lá atrás, em 1970, Simone de Beauvoir em seu livro “A Velhice” afirma: “o velho é sempre o outro”.
Abro aqui um parênteses explicativo para a mudança da terminologia de idoso para velho. Na gerontologia tendemos a considerar que o termo idoso nada mais é do que uma das muitas tentativas de atenuar o cunho negativo que vem com a palavra velho. Curioso, não? A velhice é a única fase da vida que recebe diversos nomes – melhor idade, 3ª fase da vida, idade de ouro. Nesse sentido, parece muito ruim ser velho.
Quem gostaria ou teria a ousadia de se reconhecer como tal?
E, aqui chego, finalmente, ao cerne desse texto. Se ninguém quer ser ou é velho; se o velho se associa à negatividade, às perdas, ao ruim. O que acontece com o luto daquele que mal existe socialmente?
Diriam os matemáticos que menos (luto) e menos (velhice) é igual a mais.
Não nesse caso. Nesse caso, luto e velhice é igual a muito menos reconhecimento e, consequentemente, muito mais isolamento, etarismo, normalização das perdas, hipermedicalização. O velho, por não ser socialmente reconhecido, tende a ser duplamente não reconhecido ao se enlutar, restando a ele, muitas vezes, – na melhor das hipóteses – a tarefa solitária de elaborá-lo ou a negação da sua própria dor, em nome da tentativa de sobrevivência social.
Quem estuda luto não reconhecido sabe dos desdobramentos e consequências que esse não reconhecimento pode ter. Quem estuda velhice e envelhecimento sabe dos desdobramentos e consequências que o não olhar para essa fase da vida tem. Assim, esse pequeno e pretensioso texto é um convite para provocá-los a pensar sobre o impacto da falta de olhar, da falta de troca, de terreno fértil que é tão comum na velhice – principalmente do luto na velhice.
Perde-se muito na velhice. Perde-se mais quando não se olha para o que se perde na velhice.
“Pensar as perdas no envelhecimento é importante para não reduzirmos essa fase da vida às perdas” (Barral, 2020).
Manuela Barral é graduada em Psicologia pela PUC-SP. Mestre em psicologia clínica pelo núcleo de família e comunidade no Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP. Especialista em luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia e em cuidados paliativos na Universidade Israelita Albert Einstein. Integrante da Clínica Tempo, voltada a transmissão, formação e atendimento na clínica do envelhecimento, como parte do núcleo de transmissão. Atua, em consultório e como acompanhante terapêutica no envelhecimento. Recentemente teve seu mestrado publicado em forma de livro, cujo nome é “Luto e envelhecimento: reflexão sobre as perdas na velhice”.
- Foto de Luiz Martins