Luto e LGTBI+ – reflexões
Por Mariana Aguiar
O Brasil é um dos piores países para se morrer conforme evidenciou o Índice de Qualidade de Morte (The Quality of Death: Ranking end-of-life across the world),
realizado pela consultoria Economist Intelligence Unit (EIU).
Somado a isso, também somos um dos países mais perigosos para se viver para as pessoas LGBTI+, uma vez que são assassinadas simplesmente por serem quem são. Sem esquecer de vista que todos nós possuímos para além das identidades de gênero, orientações sexuais e corpos diversos, raça/cor e todas as demais características que nos diferenciam, ao mesmo tempo em que nos aproximam.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), estima que a expectativa de vida das pessoas trans no Brasil seja de apenas 35 anos de idade, um dado alarmante diante da expectativa de vida da população em geral. Como falar sobre luto diante de brutais assassinatos realizados à luz do dia?
As pessoas LGBTI+ passam por diversos lutos ao longo da vida, tais como não vivenciar a imposição colonial da cisheteronormatividade, a “saída do armário”, a LGBTIfobia diária, a expulsão do lar vivenciada pelas pessoas trans (em média aos 13 anos de idade), devido o reconhecimento da dissidência sexual e de gênero pela família de origem, redes de apoio fragilizadas, bem como menor acesso aos serviços de saúde, maiores taxas de desemprego, racismo, ou seja, aspectos opostos aos indicadores de qualidade de vida e que contribuem para a mistanásia.
Na mesma medida em que ainda não há o reconhecimento das identidades de gênero, corpos e relações afetivos e/ou sexuais das pessoas LGBTI+, consequentemente também não há o reconhecimento do luto diante das relações e vivências não legitimadas socialmente, com chances de se serem afastados dos rituais de despedida.
Companheires podem ser retirados da posição de representante das escolhas de fim de vida de seus afetos diante da família de origem presente neste processo, sendo que, por vezes, podem ter maior conhecimento acerca da saúde, doença e das diretivas antecipadas de vontade daquela pessoa.
Em algumas situações, a família não tem conhecimento sobre a dissidência sexual e/ou do relacionamento em questão, impossibilitando que a passagem do luto pelas pessoas LGBTI+ seja permeada de acolhimento e compreensão.
Em outras situações, muitas pessoas LGBTI+ precisam voltar para o armário para conseguirem estar próximos de seus afetos diante da morte, escondendo quem são e suas relações, como vivenciar o luto perante tamanha violência?
A perda de uma pessoa querida, seja em relações de amizades, seja em relações de parceria afetivo/sexual, pode representar a perda do único referencial da rede de apoio das pessoas LGBTI+.
O luto é um processo natural, porém o luto LGBTI+ é invalidado e não reconhecido, na qual a LGBTIfobia está presente até mesmo após a morte das pessoas LGBTI+.
Infelizmente, há relatos de travestis e transexuais que morrem duas vezes: a morte física e a simbólica. São comuns situações transfóbicas em que famílias não respeitam a identidade de gênero e realizam os rituais de despedida com o nome, o gênero designado no nascimento e o aparato da expressão de gênero (vestimentas) em completa oposição ao que a pessoa se identificava.
Precisamos colorir a finitude da vida e dar cor ao luto invisibilizado das pessoas LGBTI+.
Pelo direito de ser quem se é, de amar e desejar quem quiser e de viver o luto livremente!
Mariana Aguiar Bezerra é assistente social, especialista em Cuidados Paliativos (USP) e Gênero e Sexualidade (UERJ).