
Manifesto do Comitê de Relações Internacionais da ABMLuto
Comitê de Relações Internacionais da ABMLuto
Nós, do Comitê de Relações Internacionais da ABMLuto, manifestamos nossa preocupação diante do crescente número de brasileiros deportados dos Estados Unidos da América. Somente nos dois primeiros meses de 2025, em torno de 400 pessoas retornaram ao país. Essa realidade demanda um olhar atento para as múltiplas perdas e rupturas vivenciadas, bem como para os impactos na saúde mental desse contingente populacional, segundo o olhar de profissionais especialistas em luto. É considerada a presença de fatores complicadores para a elaboração dos múltiplos lutos, e a exposição a condições adversas inerentes ao processo migratório e ao retorno forçado.
Segundo Silva (2022), a população refugiada ou em situação de migração involuntária apresenta maior prevalência de sofrimento psíquico e de psicopatologias em comparação àquela que não se deslocou ou que migrou voluntariamente. Entre os fatores elencados pela autora, destacam-se o não domínio da língua estrangeira, a falta de rede de apoio, o consequente isolamento social, a precariedade de recursos financeiros, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde – em especial aos de saúde mental – e a discriminação de pessoas originárias de país menos desenvolvido.
A experiência de escassez e vulnerabilidade atravessa todo o processo de transição, podendo ser temporária ou tornar-se permanente na vida da pessoa migrante. Ademais, a xenofobia e a perseguição por regimes totalitários adicionam camadas de violência e sofrimento a um contexto já marcado por perdas, especialmente quando somadas às experiências traumáticas pré-migratórias. O rompimento abrupto decorrente da deportação destrói sonhos, esperanças e projetos de futuro de quem, muitas vezes, já havia enfrentado outras rupturas e renúncias em busca de melhores condições de vida.
É importante lembrar que a Constituição Federal brasileira (art. 5º, XV) garante que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Esse princípio fundamental assegura que brasileiros não sejam impedidos de retornar ao seu país, mesmo quando se trata de processos de deportação. Contudo, na prática, essa medida pode acarretar situações de vulnerabilidade e, por vezes, de violação dos direitos humanos, especialmente se não houver o devido acolhimento e suporte humanitário no país de origem.
Apesar desse cenário desafiador, a repatriação pode significar um recomeço e a chance de reconstrução pessoal e familiar, bem como a possibilidade de reconexão com as próprias raízes e de revisão do propósito de vida, a depender da providência de um conjunto de ações, oferecidas pela sociedade civil e pelo governo do país de origem. É fundamental a existência de políticas públicas de acolhimento e de redes de apoio oferecidas tanto pela sociedade civil quanto pelo poder público. A disponibilização de serviços voltados para a saúde mental, de oportunidades de trabalho, de assistência jurídica e social e de condições dignas de moradia, além dos demais direitos sociais constitucionalmente garantidos, são pilares essenciais para essa nova fase na vida de quem retorna.
É nosso compromisso, enquanto ABMLuto:
- Sensibilizar a sociedade para os impactos da deportação na saúde mental e na elaboração de múltiplos lutos. Ressaltamos ainda a importância de defender que os brasileiros evitem julgamentos morais ou preconceituosos em relação às pessoas deportadas, pois isso pode aumentar o sofrimento e dificultar o processo de reinserção social.
- Promover espaços de escuta e acolhimento para as pessoas deportadas e suas famílias, estimulando redes de solidariedade que ajudem na reconstrução pessoal e comunitária.
- Incentivar políticas públicas que assegurem assistência integral, com destaque para o acesso à saúde mental, à orientação jurídica e ao apoio socioeconômico.
- Difundir conhecimento sobre as consequências psicossociais dos deslocamentos forçados e da deportação, contribuindo para a formação de profissionais de saúde, assistentes sociais, juristas e outros atores envolvidos.
Convidamos toda a sociedade – governos, instituições, profissionais e cidadãos – a reconhecer e enfrentar as complexidades deste fenômeno. Que possamos assumir o compromisso de criar condições efetivas para o acolhimento digno de brasileiros retornados, reduzindo os impactos negativos dessa ação compulsória e oferecendo suporte para a superação e a reconstrução de suas trajetórias de vida.
Membros:
Maria Helena Pereira Franco – Coordenadora
Adriana Silveira Cogo
Arli Pedrosa
Daniela Aceti
Izabela Guedes
Lucélia Elizabeth Paiva
Mario Thadeu Leme de Barros Filho
Patrícia Camps
Samantha Mucci
Thais Ares
Vanessa Rigonatti
- Foto de Mitchel Lensink