Suicídio e adolescência: a posvenção é uma ação urgente!

Por Daniela Reis e Karen Scavacini

Para cada suicídio completo, até 145 pessoas podem ser impactadas por essa morte. Em alguns contextos, como por exemplo, em uma escola, este número poder muito maior. Se o suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 25 anos, muitos adolescentes e jovens adultos se deparam com o luto por suicídio em toda a sua complexidade, com frequência, de uma forma silenciosa e velada.

O luto é um processo de reorganização pela ruptura de um vínculo significativo com impacto em indivíduos, famílias e comunidades, permeado por questões culturais e sociais. Gera questionamentos em relação à religião, ao pertencimento, ao sentido da vida, e tem efeitos nas esferas biopsicossocial, podendo inclusive, afetar a saúde física e mental de uma pessoa, ao mesmo tempo em que há uma construção de sentido para esta perda.

As complicações no processo do luto dependem da forma como ela ocorreu, bem como de fatores de risco e de proteção, sendo comum comparação entre os tipos de perda e seus efeitos.  

A morte de um ente querido por suicídio, traz algumas singularidades, por se tratar de uma morte ainda envolta em tabus e preconceitos, bem como por possuir um potencial traumatogênico, quando luto e trauma caminham de forma entrelaçada. Embora não seja possível comparar a dor de cada perda – o luto por suicídio pode ser mais intenso e duradouro.  Culpa, busca incessante do porquê, estigma, isolamento e até um aumento do comportamento suicida podem ser vistos em pessoas que perderam alguém dessa forma.

Na adolescência essas características podem ser amplificadas por ser um período de busca de autonomia, o que pode criar um muro de silêncio na tentativa de lidar com a própria dor de forma solitária. Dependendo diretamente do luto familiar, para um adolescente pode ser mais difícil se abrir e compartilhar suas emoções com os adultos cuidadores, sendo com frequência mais fácil falar com amigos. Além de lidar com dor da perda, o jovem pode ficar mais consciente de sua própria morte, se perguntar qual o significado da vida. Fé e crenças podem ser questionadas gerando uma crise existencial. É frequente o não reconhecimento do luto no adolescente, em função de suas características.

Alguns mediadores dessa perda também devem ser levados em consideração, como se o adolescente viu o corpo, recebeu alguma mensagem de despedida, está passando por período de vulnerabilidade ou de estresse, tem algum transtorno mental previamente identificado e se já perdeu alguém por suicídio.

A adolescência é um período conhecidamente conturbado, em um intenso processo de transição que envolve desafios permeados por emoções e sentimentos com tantas mudanças experimentadas. Assim, nesta etapa do ciclo vital são comuns o comportamento de risco, tais como desafios e jogos perigosos, excesso de uso de álcool e outras drogas, uso excessivo de internet e dispositivos eletrônicos, múltiplas parcerias afetivas, que podem mascarar o comportamento suicida, com índices cada vez mais alarmantes nesta faixa etária.

O termo posvenção engloba ações de apoio e acolhimento após uma morte por suicídio, e há um crescimento exponencial sobre este tema no Brasil, em especial, com a criação de inúmeros grupos de apoio e outras ações na comunidade, mas ressaltamos a importância de ampliar a rede de assistência ao luto por suicídio no Brasil. Estas ações incluem a divulgação sobre informações sobre o luto por suicídio e onde encontrar ajuda.

A posvenção na escola é fundamental e deve ser feita por equipe especializada, pois precisa ser feita uma análise detalhada e cuidadosa de intervenção para não provocar suicídios de imitação, identificar e encaminhar jovens em risco, reduzir a identificação com a vítima, reestabelecer um clima saudável na escola e providenciar vigilância a longo termo.

Assim, proporcionar um ambiente acolhedor e que proporcione um espaço de segurança para que o adolescente expresse seus sentimentos e emoções sem julgamento ou tentativa de obrigá-lo a se enquadrar em formas de se enlutar socialmente aceitas pode ser um marco diferencial em seu processo de luto.

Conversar sobre a morte, estabelecer um vínculo de confiança, prestar atenção à comunicação não verbal, oferecer apoio e acolhimento são caminhos para ajudar o jovem nessa jornada. É necessário buscar ajuda especializada se houver um aumento do uso de substâncias, uma dificuldade intensa de voltar a rotina e se ele falar sobre suicídio ou autolesão.

Por todas essas delicadezas, o trabalho de posvenção com o jovem para realizar avaliação precoce, aliviar os efeitos relacionados ao sofrimento e as perdas, minimizar o risco de comportamento suicídio, prevenir o aparecimento de complicações e ampliar o enfrentamento se faz necessário.

É imprescindível que possamos cada vez mais inserir a posvenção em políticas públicas de saúde mental, ampliando ações multiprofissionais e integrativas de forma contextualizada que possam auxiliar os sobreviventes em sua nova jornada. Pela memória daqueles que morreram, para que se mantenham pertencendo à história dos sobreviventes enlutados por suicídio.


Daniela Reis e Silva é psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP), Fellow in Thanatology (Association for Death Education and Counseling, Estados Unidos), Diretora do Instituto Acalanto, Co-coordenadora da Especialização em Autolesão, Prevenção e Posvenção do Suicídio do Instituto Vita Alere.

Karen Scavacini é psicóloga, Mestre em Saúde Pública (Karolinska Institute, Suécia), Doutora em Psicologia (USP), CEO do Instituto Vita Alere, Co-coordenadora da Especialização em Autolesão, Prevenção e Posvenção do Suicídio do Instituto Vita Alere.

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