Enfrentando o Luto: a jornada emocional dos profissionais que atuam com cuidados paliativos

Alexandre Ernesto Silva

O luto é um processo complexo e profundamente sentido quando ocorre a quebra de um vínculo importante. Os profissionais da saúde vivenciam o luto em seu local de trabalho, pois lidam diariamente com pacientes e criam vínculos que podem ser rompidos pelo falecimento dessas pessoas. Em especial, destacam-se os profissionais que atuam com Cuidados Paliativos, ao depararem com o sofrimento humano e com a dor da perda de forma contínua. Essa vivência contínua do luto pode levar ao desgaste emocional, à síndrome de burnout e à fadiga por compaixão, pois muitos profissionais sentem sobrecarregados por serem o suporte emocional dos pacientes e seus familiares nesses momentos críticos.

Apesar do luto ser um processo universal e não ligado somente à morte, ele é vivenciado de forma singular a cada pessoa, e pode ser mais complexo para pessoas que atuam nos Cuidados Paliativos, pois o contato prolongado com o sofrimento humano e a finitude torna estes profissionais mais vulneráveis ao adoecimento. A intensa relação que se desenvolve com os pacientes e familiares que convivem com uma doença que ameaça a continuidade da vida gera um vínculo emocional importante  entre os envolvidos no cuidado e o próprio paciente. 

A carga emocional envolvida no dia a dia dos profissionais são inerentes ao processo de cuidar em cuidados paliativos, onde o principal objetivo é identificar, prevenir e aliviar a dor e o sofrimento do paciente e sua família, sempre priorizando a dignidade humana. Para que isso seja efetivo, é necessário que o profissional seja compassivo e atue de forma ativa em prol do bem estar do seu paciente. Desse modo, ao se deparar com o luto, o profissional tende a não validar seus sentimentos, e postergar esse processo para que possa cumprir seu papel de cuidador, que pode se tornar intenso devido à conexão estabelecida.

Além disso, o profissional pode desenvolver o luto antecipatório, que ocorre quando começa a vivenciar de forma sofrível a morte do paciente antes mesmo que esta aconteça. Nesse processo, o aprofundamento do vínculo com o paciente, buscando compreender as histórias vivenciadas, os seus medos e as suas esperanças. Essa conexão é essencial para o cuidado humanizado, contudo, tende a intensificar o processo de luto do profissional, pois o vínculo se torna mais forte e o luto se estende a tudo o que representa essa partida: a interrupção de um sonho, a perda de esperança, a quebra de um vínculo.

Outra realidade pertinente no dia a dia do profissional de cuidados paliativos é o luto coletivo. As equipes de profissionais de cuidados paliativos possuem uma relação forte de colaboração e trabalho em equipe, e o mesmo ocorre com o falecimento de um paciente. Os profissionais vivenciam um luto compartilhado, formando uma rede de apoio mútuo, possibilitando que todos possam refletir e vivenciar o luto, em um ambiente de solidariedade.

O contato contínuo com o sofrimento humano e o luto pode desencadear um estresse emocional intenso, levando ao risco de desenvolvimento da síndrome de burnout, situação que o profissional se sente sobrecarregado, desmotivado e até mesmo incapaz de cumprir com as suas funções. Outro cenário que pode se desenvolver é a fadiga por compaixão, em que a compaixão pode ultrapassar os limites entre profissional e pessoal, e ele traz para si a responsabilidade pelo bem estar total do paciente, e ao não atingir suas expectativas pode causar efeitos de estresse, desatenção e apatia no profissional.

Desse modo,  é vital que haja iniciativas para apoiar a saúde mental desses profissionais. A criação de grupos de apoio, onde os profissionais possam compartilhar suas experiências e sentimentos, criando espaços seguros para discutir as dificuldades emocionais e receber suporte dos colegas. Outro ponto importante é a conscientização sobre a importância do autocuidado e do reconhecimento do luto é fundamental para criar uma cultura de cuidado não apenas para os pacientes, mas também para os profissionais. 

Além disso, o apoio da comunidade pode fazer uma diferença significativa na forma como os profissionais em cuidados paliativos vivenciam suas perdas. A sensibilização e educação sobre o papel desses profissionais podem ajudar a desmistificar o luto que eles enfrentam e a valorizar a importância do cuidado paliativo mesmo após a morte de seus pacientes.

O luto dos profissionais que atuam em cuidados paliativos é uma experiência multifacetada que leva os mesmos a enfrentar desafios. Para isso é fundamental criar espaços de apoio, promover a formação permanente e continuada e garantir que os profissionais tenham acesso a recursos que os ajudem a cuidar de sua saúde emocional. Ao cuidar dos profissionais, não apenas promove a valorização do seu trabalho, mas também assegura um atendimento mais humano e compassivo aos pacientes e suas famílias.


Alexandre Ernesto Silva é coordenador da especialização em Cuidados Paliativos da Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ. Consultor técnico na Coordenação da Secretaria de Atenção Especializada, no Ministério da Saúde. Líder e fundador da Favela Compassiva Rocinha/Vidigal Rio de Janeiro – RJ.

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