Parentalidade atípica, luto e os desafios do autocuidado

Por Karina Santos Teixeira Lopes; Daniela Reis e Silva

Desde 2007 a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 02 de abril como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, que tem como objetivo informar a população e reduzir o preconceito e discriminação ao redor das pessoas afetadas pelo Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além dos indivíduos diagnosticados com TEA, é importante reconhecer que seus cuidadores, especialmente os pais, também precisam de apoio e informações.

A parentalidade atípica exige dos pais muitas horas de cuidado e dedicação aos seus filhos, quando estes se distanciam dos marcos do desenvolvimento infantil. Esses pais frequentemente se veem lidando com desafios únicos em diferentes ambientes como os de saúde, educação e outros locais de socialização da criança. E em algumas situações, isso requer atenção exclusiva, o que pode afastar os pais de suas próprias atividades no trabalho, na vida social e no lazer, causando sobrecarga e sofrimento.

Nesse processo, os cuidadores vivenciam inúmeras perdas, habitualmente não legitimadas, que podem comprometer sua saúde mental, inclusive com o desencadeamento do comportamento suicida.  Assim, visando a assistência integral da criança atípica, é fundamental legitimar os lutos vividos por esses pais.

Pais que têm espaço e tempo para lidar com suas próprias perdas tornam-se protagonistas ao abordar as necessidades de seus filhos, sendo capazes de ampliar espaços livres de capacitismo para o desenvolvimento das crianças, que antes de um diagnóstico, são crianças e precisam brincar e socializar para desenvolverem suas habilidades.

Quando essa validação não ocorre a dedicação dos pais ou cuidadores pode resultar em um cuidado solitário, especialmente quando ampliamos nossa perspectiva e fazemos uma análise crítica sobre quem dentro da nossa sociedade é responsável por este cuidado: mulheres, de baixa escolaridade, que estão fora do mercado formal de trabalho. Para cuidar do outro precisamos estar bem. Esse conceito que está na “boca do povo” ganha muitas camadas de complexidade quando questionamos o cuidado de quem cuida nesse contexto.        

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o autocuidado engloba as habilidades dos indivíduos, familiares e comunidades para promover e preservar a saúde, prevenir doenças, assim como lidar com a doença ou incapacidades, com ou sem o auxílio de profissional de saúde (WHO, 2022). Embora essa definição destaque a responsabilidade compartilhada, o autocuidado também é entendido como a capacidade individual de realizar ações que promovem a saúde, estimulam o desenvolvimento pessoal e aumentam o bem-estar. (MS, 2023).

Ou seja, apesar da importância do apoio coletivo, é crucial que o autocuidado seja significativo para aqueles que o praticam. Afinal, trata-se de um processo que envolve tomada de decisões diárias, as quais, dependendo dos marcadores sociais que influenciam a vida da pessoa, podem ser difíceis de serem realizadas.

A OMS recomenda sete pilares para esse cuidado: conhecimento em saúde, práticas de promoção em saúde mental, atividade física regular, alimentação saudável, prevenção de riscos, boas práticas de higiene e uso racional de produtos e serviços. Para cuidadores de crianças atípicas imersos em sua rotina, o autocuidado é um desafio!

Por isso, é necessário encaramos esse cuidado de forma coletiva, reduzindo a sobrecarga para os cuidadores, bem como os sentimentos de culpa e frustração decorrentes do isolamento e proporcionando espaços que favoreçam a atenção a esses pais. A escola, os familiares, vizinhos e toda comunidade devem ser vistos como parte da rede de apoio necessária, e precisam se envolver nesse cuidado para que possamos construir uma comunidade mais saudável e sustentável.

Portanto, as equipes profissionais têm papel crucial para reconhecer os lutos presentes e proporcionar espaços de orientação e acolhimento, oferta de informações e intervenções apropriadas à realidade dessas famílias. Isso também pode incluir apoio psicológico individual ou em grupo, integrando o autocuidado como parte essencial de promoção da saúde.

Você que leu até aqui, conhece alguém que vive o significado do azul ou do encaixe do quebra-cabeça da campanha para receber a validação desse cuidado? Vamos ampliar e fortalecer essa rede de apoio coletiva!

Referências:

World Health Organization. (2022). WHO guideline on self-care interventions for health and well-being, 2022 revision: executive summary.

Ministério da Saúde. (2023). Autocuidado em Saúde e a Literacia para a Saúde no contexto da promoção, prevenção e cuidado das pessoas em condições crônicas: guia para profissionais da saúde.

Lopes, K. S. T.; Silva, D. R. (2023). Não é falta de peia, é TEA: o luto não reconhecido na parentalidade atípica. Trabalho de Conclusão de Curso da Especialização em Ações Terapêuticas para Situações de Luto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


Karina Santos Teixeira Lopes é psicóloga; mestre em Ciências (USP/SP); especialista em Ações Terapêuticas para Situações de Luto da PUC/SP.
Daniela Reis e Silva é psicóloga; mestre e doutora em Psicologia Clinica (PUC/SP). Professora Convidada do Curso de Especialização em Ações Terapêuticas para Situações de Luto da PUC/SP.

  • Imagem de Vardan Papikyan, em Unsplash

Deixe um comentário