O luto do médico-veterinário: todo paciente importa
Por Ingrid Bueno Atayde Machado
Existe um encanto, quase universal, das pessoas pelos animais. Crianças sonham em se tornar médicas-veterinárias. Adultos admiram e se inspiram na liberdade, força e impetuosidade de animais selvagens, aves, equinos… Sempre há algo que nos conecte!
A maioria dos médicos-veterinários foi uma dessas crianças e é um desses adultos, com extrema empatia e amor pelos animais que transbordam na vida profissional. Todos os pacientes fazem esses sentimentos emergirem, e alguns encontram um lugar ainda mais especial em nossos corações. Pacientes dos quais cuidamos desde filhotes; que lutam contra doenças desafiadoras; em cuidados paliativos; acompanhados por longos anos; alguns que nos lembram dos nossos próprios animais e, muitos, cujas famílias se tornam tão próximas a ponto de criarmos laços. Animais resgatados; em readaptação à vida livre e os que recebem alta médica após uma convivência intensa – para cada paciente, uma saudade diferente. Que ironia: a profissão que mais nos aproxima dos animais é também a que mais nos apresenta despedidas!
Despedidas trazem um luto. Médicos-veterinários enfrentam sentimentos de saudade, impotência, dúvidas e sua própria vulnerabilidade. No entanto, raramente há espaço para a exposição desses sentimentos ou apoio para sua elaboração. O acúmulo dessas emoções pode levar ao sofrimento emocional, agravamento de sintomas depressivos ou agudizar transtornos mentais diversos.
Há ainda o desafio da eutanásia, em que se abrevia a vida de um animal em sofrimento por uma doença irreversível para a qual não há conforto satisfatório ou por se tratar de uma doença que traga riscos graves para a população humana. A decisão e a execução da eutanásia sempre têm um grande peso emocional e moral para o médico-veterinário.
Médicos-veterinários são expostos a fatores desafiadores que podem impactar a saúde mental, aumentando relatos de Síndrome de Burnout e fadiga por compaixão. A existência de transtornos mentais, como a depressão, o uso de álcool e outras substâncias, além do acesso a métodos potencialmente perigosos, são agravantes que não podem ser subestimados.
Mas há também mecanismos de proteção, que, quando reconhecidos e ativados podem ser decisivos para a reconexão com o sentido maior de sua atuação: cuidar da vida dos animais e das famílias multiespécie e garantir a segurança das pessoas que consomem produtos de origem animal. Ambos são propósitos que podem amenizar o sofrimento gerado por situações da atuação profissional.
Além da disciplina com o autocuidado, o autoconhecimento também um grande aliado: identificar nossa vulnerabilidade, nossos limites, entender por que alguns lutos nos tocam mais do que outros e processar esses sentimentos é fundamental para a manutenção da saúde mental. Precisamos de espaços seguros para expressar o luto pela perda dos pacientes e compreender que essa vulnerabilidade não é uma fraqueza, e sim o que nos conecta com os tutores: o amor e a entrega à nossa vocação.
Ingrid Bueno Atayde Machado é médica-veterinária, psicóloga e chefe do Setor de Comissões Técnicas do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).