Sobre o sentido da existência, o luto e a morte

 Por Bruno Oliveira

“Quem passou por essa vida e não viveu pode ser mais, mas sabe menos do que eu; pois essa vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu…” (Vinícius de Moraes)

O rompimento de vínculos, de histórias, de relações, vai se concretizando ao longo da existência e trazendo à tona a realidade de que tudo passa, descortinando a transitoriedade da vida. De fato, a vida humana está repleta de perdas e lutos, não só diante da morte, como comumente nominamos a perda maior, mas também das pequenas mortes e perdas que nos demandam o enfrentamento de processos de luto no decorrer da vida. Diante da inevitabilidade da morte surge a necessidade de aprender a se tirar sentidos da finitude da vida. Nesse caminho a religião surge como uma linguagem que traduz muito das angústias que visitam o indivíduo diante da morte e das agruras da existência.

Viktor Frankl, além de ouvir a voz do sentido na vida, também buscou ouvir a voz do sentido  na morte, trazendo-a para seu lugar de integrante da existência humana. A morte se constituiria  numa espécie de ultimato da vida, pois lapida a nossa consciência na busca por sentido. Parece ser o que Willian Breitbart defende ao constatar, em seu trabalho com pacientes em cuidados paliativos, que o fato do indivíduo reconhecer e encarar a própria morte, assumindo a finitude humana, pode se constituir em um fator de transformação, pois a atitude de enfrentar a morte, sempre o  leva a encarar a vida que foi vivida. O paradoxo desta dinâmica de final de vida é que através da aceitação da vida que se viveu, surge a aceitação da partida e da morte.

Exatamente porque tem consciência de sua própria finitude, é que o ser humano se conscientiza da limitação e transitoriedade. Ademais, esses dois temas são apontados por Frankl como características essenciais da existência humana. Finitude e temporalidade são dois elementos ontológicos constitutivos do sentido. A duração de uma vida não é uma condição necessária para a plenitude do sentido, pois a vida não é medida apenas em seu tempo  de duração, mas sobretudo, por sua profundidade existencial.

A espiritualidade pode ser um agente de significação diante da perda e da dor. A ideia, amplamente explorada pela indústria publicitária da busca pela felicidade, desemboca em um círculo vicioso que vem da frustração de uma exigência cada vez maior pela busca de um sentido. Quando o indivíduo limita sua existência na busca pela autorrealização se fecha em si mesmo e em seu mundo, desprezando o universo que reside fora de si. A autorrealização surge como efeito colateral da busca direta pelo sentido, contudo o sujeito só pode realmente estar consigo mesmo quando está no mundo, com as coisas a sua volta. A busca individual pela autorrealização, pela saúde ideal, destituída de sentido, pode até acarretar melhorias biológicas, mas não oferece a saúde que envolve elementos mais profundos que os meramente orgânicos, que dizem respeito a satisfação plena e sentido na vida.

Exatamente aqui está a espiritualidade: nas demandas de sentido na existência. Apesar da busca por sentido ser uma necessidade humana, em nosso tempo cada vez mais a sociedade sente aflorada a ausência de sentido. À associação do sentido partindo apenas de experiências agradáveis pode ser um dos fatores que contribuem para esse vazio sem sentido. Precisamente esse vácuo caótico pode constituir-se num lugar para o presente da vida e a vida do presente. Onde as significações da existência, onde a espiritualidade livre das amarras do poder e do controle sobre o outro, possam pintar novas possibilidades de se olhar o mundo e encarar as intempéries da existência, seja nessa vida, ou mesmo na despedida dela. Ou seja, os toques de finitude e as visitações da impermanência, advindas das experiências do luto, podem ser ocasiões que acionem potências criativas nos sujeitos. A espiritualidade teria a ver com este clarão de esperança que surge, paradoxalmente, quando não há muitas razões para se esperar.

Quando o ego, ao mesmo tempo tem que se deparar com as sobras do passado e se vê na necessidade de descobrir novas potências que mantenham a vida em pé; quando os toques da finitude desorganizam o solo seguro de pertences e pertenças, e a transitoriedade descortina a verdade de que tudo passa, nada é para sempre, a espiritualidade pode resgatar aquilo que tempera a existência, que nos torna inteiros, ainda que feridos.


Bruno Oliveira trabalha há mais de 17 anos com capelania hospitalar.  É graduado em Teologia, com Licenciatura em Filosofia e Mestrado em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente faz Doutorado em Filosofia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Tanto no Mestrado quanto no Doutorado, estudou o tema da Espiritualidade relacionada à saúde.

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