Luto Pet e a importância dos Cuidados Paliativos Veterinários

Por Adriano Baldaia

“Quando eu entrei no consultório, muitas coisas já se passavam pela minha cabeça, no fundo eu já sabia que a notícia não seria boa, mas a gente custa acreditar que aquilo pode estar acontecendo. E sim, a doença era incurável e ameaçava a vida do meu filho. Naquele momento o meu mundo parou, eu já não ouvia mais nada, meus olhos marejaram e eu só pensava no quanto ele sofreria, e eu também. Eu morri a primeira vez.

Um mar de dúvidas inundou minha mente e acharcaram meu peito, afinal como seria minha vida sem ele? Será que eu conseguiria cuidar? Qual seria o custo do tratamento? Quando ele vai morrer? Eu precisava  de ajuda!

Estava com medo de não ter apoio. Será que se eu faltasse meu trabalho por ele estar doente minha empresa  entenderia? Ninguém me ouve lá, ninguém entende. Não posso nem chorar!

Meu Deus, são tantas dores e questões.

O médico, de forma acolhedora, com compaixão no olhar, disse que estaria ao meu lado nesse processo e que faria o que estivesse ao alcance dele para que todo o sofrimento fosse aliviado, meus desejos respeitados e nossa história dignificada. Segundo ele, toda minha família seria cuidada, independente do desfecho. Antes de tudo ele me ouviu e, assim, entendeu a importância daquele filho para mim. Explicou sobre a doença, dos sintomas e a forma de aliviá-los. Outros profissionais como fisioterapeuta e  nutricionista  auxiliariam em busca de conforto. Até uma psicóloga conversou comigo e eu me senti melhor. O médico, que é paliativista, disse que estaria presente e ao nosso lado.

O meu maior dilema não era somente ele falecer, mas como isso aconteceria. De forma contínua e acolhedora, ele esteve ao meu lado a cada passo dado e dia vivido, não só vivido, mas também vivenciado. Entender cada mudança no quadro e ter alguém ao nosso lado, tornou tudo um pouco menos denso e de suma importância. Afinal, eu não estava sozinha no momento mais difícil das nossas vidas.

A morte veio, mas não o fim. Ele nunca será esquecido, para mim ele nunca morrerá!

Estou sofrendo, tudo dói! Parece que ele continua ali, ouço seus passos e sua respiração parece estar presente no quarto. Outro dia, tropecei num brinquedo dele e fiquei vendo suas fotos. A cama ainda está no mesmo local e com seu cheirinho. Já doeu mais, com o tempo parece que aquela dor está se ajustando, mas não desaparece. De vez em quando, parece que a dor aumenta, a saudade vem a tona e eu choro, foi assim na data do seu aniversário. Segundo a psicóloga, é assim mesmo, é o processo do luto.

Eu disse que não queria ter um cão e agora sofro com sua ausência. Ele não era só um cão, era meu filho, minha companhia diária e meu melhor amigo.

Poderia ser eu ou você, mas é apenas um relato doloroso, da mãe de uma família multiespécie.”

Diante do diagnóstico de uma doença que ameaça a vida do paciente haverá a quebra de um mundo presumido. A família passa a experienciar a possibilidade de perder quem ama. Inicia-se, então, uma construção do significado da perda diante do adoecimento, progressão da doença e a iminência da morte, o que podemos chamar de luto antecipatório.

A família multiespécie, assim como o paciente, traz consigo valores, narrativas, experiências, autonomia e dúvidas, muitas dúvidas. Os Cuidados Paliativos, através de uma escuta ativa e compassiva, o controle de sintomas, junto de uma equipe multidisciplinar, pode ofertar suporte familiar, alívio do sofrimento  físico, social, psicológico e espiritual diante das demandas que a doença traz.

A construção de um plano de cuidados individualizado, levando em consideração os valores e desejos familiares, auxilia na tomada de decisão em cada fase da doença, pois além de tratar a doença, existe a preocupação com o conforto.

Paliar não é uma alternativa ao tratamento, é parte complementar, é alinhamento da biologia e da biografia.

O núcleo familiar também será foco de atenção do paliativista, e é considerado como a unidade de cuidado. A partir dessa compreensão, a equipe, desde o diagnóstico até a morte e pós óbito deve estar disponível para o paciente e cuidadores, visando atenuar as repercussões e vulnerabilidade que o processo de luto traz.

O suporte ao luto faz parte da multidimensionalidade desse cuidado específico.

Perder um filho de quatro patas é doloroso e impactante, e nós validamos e acolhemos essa dor. Nós, veterinários, também sentimos o quão importante pode e deve ser a despedida, por isso, estar presente ao longo de todo o processo é parte fundamental do cuidado.

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Adriano Baldaia é médico Veterinário especializado em Cuidados Paliativos pelo Hospital Albert Einstein/SP. Possui capacitação em Comunicação Compassiva pela Casa do Cuidar/SP. Membro-fundador da Ekoavet, a primeira associação brasileira em prol da saúde mental na Medicina Veterinária. Certificação internacional Cat Friendly. Responsável pelo setor de Cuidados Paliativos  em alguns Hospitais Veterinários do RJ, como Animalia Pet Care e Iemev. Professor convidado da Pós-Graduação em Cuidados Paliativos do Albert  Einstein

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